ABUSO DE PODER
Músico é espancado por policiais militares em um bar, em Guarulhos (Grande São Paulo), e apanha mais ainda quando ousa falar em seus direitos
Data: 20 de outubro de 2006
Local: Bar na Rua Domingos de Abreu, Favela São Rafael, Guarulhos (Grande São Paulo)
Vítima: Éviton Rosa Brandão, de 33 anos
Agente do Estado: policiais militares das viaturas 15231, 15241 e 15203 da Polícia Militar
Relato do caso: No dia 20 de outubro de 2006, numa sexta-feira, por volta das 23hs da noite, três viaturas da Polícia Militar – de números 15231, 15241 e 15203 – estacionaram ostensivamente diante de um bar na Rua Domingos de Abreu, na Favela São Rafael, em Guarulhos (Grande São Paulo). Os policiais entraram no bar e exigiram, com gritos e xingamentos, que a música, tocada ao vivo – era um forró, um dos poucos divertimentos que ainda têm as populações da periferia –, cessasse imediatamente. O músico Éviton Rosa Brandão, de 33 anos, tecladista do grupo chamado Lua Nua, indagou ao policial o motivo pelo qual eles deveriam parar de tocar, mas teve como resposta outros xingamentos na base da humilhação. A ordem policial começou a ser cumprida, mas durante a desmontagem dos instrumentos Éviton avisou que a saída do grupo e de seus instrumentos só seria possível se as três viaturas abrissem um espaço para que a Kombi dos músicos, que estava a 50 metros, pudesse estacionar em frente ao bar. No mesmo instante cerca cinco policiais militares agrediram Éviton com tapas no rosto, chutes na barriga e pontapés, segundo as testemunhas, sendo que um deles apontava a arma contra seu rosto e batia diversas vezes com o cano em seu queixo e seu peito.
Diante da violenta agressão, as pessoas do bar levantaram-se contra esse abuso de poder dos policiais militares e, desesperadas, pediram o fim daquele espancamento. O pedido foi atendido, com Éviton sendo jogado no chão. Em seguida seis policiais militares alinharam-se em forma de barreira à entrada do bar, ameaçando a todos: “Nós voltaremos e se tiver forró aqui vamos quebrar todo mundo no pau” (Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Guarulhos).
Neste momento Éviton levantou-se, afirmou saber de seus direitos e fez o gesto de quem se preparava para anotar os números das viaturas. Foi o que bastou para que recomeçasse o espancamento. Um dos policiais atravessou a rua e arrastou-o pelos cabelos, levando-o até bem próximo de uma das viaturas. Xingando-o de burro, bateu por diversas vezes sua cabeça contra a lateral traseira do carro policial, mostrando que o número a anotar não era o da placa dianteira, e sim aquele contra o qual a cabeça era batida. E dizia: “Pode anotar o número agora, anota aí” (Agora, 22/10/2006).
As testemunhas relataram que o policial parou com a agressão somente quando muitas pessoas começaram a se manifestar. Mas nem por isso deixaram de continuar a ameaçar a todos com gás de pimenta, dizendo: “Tem gás e bala pra todo mundo, vai circulando, quem manda aqui é nós” (Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Guarulhos). É interessante lembrar ainda que consta do relato das testemunhas que durante toda a ação três policiais manejavam suas armas de forma displicente, engatilhando e desengatilhando, apontando para diversas direções e com a típica fisionomia de drogados.
Foram as testemunhas que anotaram a identificação das viaturas: 15231, 15241 e 15203. Elas afirmaram que nos últimos três meses essas incursões intimidatórias de policiais militares tem sido constantes na região: “Os PMs chegam aqui xingando e agredindo pessoas” (Agora, 22/10/2006).
Situação da investigação: As agressões e o abuso de poder por parte de policiais não são uma novidade na região de Guarulhos. Na verdade a cidade, com quase um milhão e 300 mil habitantes, pertencente à Grande São Paulo, tem sido palco das mais graves violações dos direitos humanos praticadas por policiais: desaparecimentos, execuções sumárias, torturas, sendo os constantes abusos de poder, uma espécie de ante-sala dessas violações mais graves.
O caso de Éviton Rosa Brandão foi relatado à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Guarulhos e está sendo encaminhado à Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo. É preciso que as vítimas desses espancamentos gratuitos e as testemunhas desses casos tenham coragem de levar adiante a denúncia, o que, sabe-se, é difícil, pela constante ameaça de retaliação por parte dos policiais.
Fontes: Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Guarulhos; Agora, São Paulo (22/10/2006)
EXECUÇÕES SUMÁRIAS
Menino de 7 anos é morto por policial militar dentro de sua casa, em Guarulhos (Grande São Paulo)
Data: 29 de dezembro de 2006
Local: Rua João Pinheiro 182, Vila Flórida, Guarulhos (Grande São Paulo)
Vítimas: Kleyton Pedro de Souza de 7 anos
Agentes do Estado: Celso Luiz de Oliveira, policial militar do 15º Batalhão da PM
Relato do caso: Na Vila Flórida, em Guarulhos (Grande São Paulo), os policiais militares Celso Luiz de Oliveira e Marcelo Vicente da Silva perseguiam três homens na Rua João Pinheiro. Eram cerca de 16h30 do dia 29 de dezembro de 2006. Para fugir, os três homens pularam em um córrego à entrada da favela da Vila Flórida. Os dois policiais militares desceram do carro e penetraram em uma casa particular, um corredor paralelo ao córrego que levava à residência do menino Kleyton Pedro de Souza, de 7 anos. Ele e seu primo Wilian brincavam, soltando pipa. Os dois meninos até se encostaram à parede do corredor estreito para dar passagem à invasão policial. A dez metros de distância de Kleyton o policial militar Celso atirou duas vezes, atingindo com um tiro o lado esquerdo da cabeça de Kleyton.
Este fato foi visto pela mãe de Kleyton, por seu primo e por vários vizinhos. A mãe imediatamente correu para segurar o corpo de seu filho, desfalecido. Apesar disso o policial que atirou quis colocar a culpa nos rapazes perseguidos que, já dentro da água, teriam atirado. Kleyton foi levado para o Hospital Geral Cecap, mas morreu na madrugada do dia 30 de dezembro, às 2h30.
O pai de Kleyton é tecelão e a mãe é dona de casa, a família tem ainda mais três filhos. No dia seguinte, no velório realizado no quintal da casa modesta, em lágrimas, a mãe contava ao jornalista que era inútil a explicação de que os tiros tinham sido dados pelos rapazes que fugiram, já que ela tinha visto perfeitamente quem tinha atirado “O policial atirou na cabeça do meu filho, não teve troca de tiros, só ele atirou. Depois, os policiais quiseram dizer que foi um bandido que matou meu filho. O policial queria dizer que eu estava louca, que não foi ele. Mas eu vi”. "Queira saber se esse policial também é pai" disse o pai de Kleyton (Agora, São Paulo, 31/12/2006).
Os vizinhos, indignados, interditaram a Rua João Pinheiro com pedaços de madeira queimados e móveis de ferro. Um cartaz dizia: “Policial militar despreparado mata criança de 7 anos. Queremos Justiça”. O líder comunitário declarou: "O pessoal queria protestar pondo fogo em ônibus. Só vamos liberar a rua quando alguém oferecer assistência decente à família” (Agora, São Paulo, 31/12/2006).
Situação da investigação: Os dois policiais militares envolvidos no caso ficaram imediatamente aquartelados na própria sede do 15º Batalhão da Polícia Militar. Foi aberto um inquérito para apurar responsabilidades, suas armas foram apreendidas, bem como um revólver, apresentado pelos policias como sendo dos rapazes que fugiram. A versão da Secretaria de Segurança Pública é a de que os policiais estavam em patrulhamento, foram recebidos a tiros e, no “tiroteio”, o menino foi ferido (Agora, São Paulo, 31/12/2006). Mais tarde soube-se que o policial militar Celso estava preso no Presídio Romão Gomes, mas a Corregedoria da Polícia Militar não tinha ainda nenhuma informação sobre o caso.
Os pais, modestos, só querem justiça. No entanto, depois da tristeza da morte do filho, ainda tinham que agüentar intimidações sob a forma de um carro particular com homens armados, que passava em frente da casa e fazia gestos de silêncio, ou viaturas policiais que passavam e apontavam para a casa (conforme informações da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Guarulhos).
Fontes: Agora, São Paulo, 31/12/2006; Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Guarulhos
CHACINA DO JARDIM TRANQÜILIDADE, GUARULHOS (GRANDE SÃO PAULO) – 9 de Setembro de 2006
Data: 9 de setembro de 2006
Local: Jardim Tranqüilidade, Guarulhos (Grande São Paulo)
Vítimas: Edmário Antonio de Oliveira, 41, Admilson Aparecido Nascimento, 31, e Marcelo Ferreira Romite, 37
Agentes: dois homens encapuzados que familiares das vítimas acreditam serem policiais militares
Relato do caso: Em menos de 72 horas, entre os dias 7 e 9 de setembro de 2006, quatro chacinas foram registradas em periferias da Grande São Paulo. A cena foi a mesma em todas as ocorrências: dois homens encapuzados chegam dirigindo uma moto ou um carro, às vezes a pé, e num determinado local movimentado, considerado como ponto de consumo de drogas, fazem dezenas de disparos contra o grupo de pessoas que ali se encontre, fazendo várias vítimas fatais. Tido como de “costume”, as execuções em série de moradores pobres das periferias tem receita padrão oficial. Segundo a polícia, que é boa em eliminar a suspeita de envolvimento de policiais na matança quase que cotidiana registrada em São Paulo, a razão alegada é quase sempre “acerto de contas entre quadrilhas rivais”. E como também de “costume”, os casos não são investigados e rapidamente vão ralo abaixo somar-se ao rol da impunidade.
Na madrugada do dia 9 de setembro de 2006 não foi diferente. Eram 3h15 quando dois homens encapuzados, dirigindo um carro não identificado, pararam perto de um posto de gasolina e caminharam um pouco na Avenida Emilio Ribas, no Jardim Tranqüilidade, em Guarulhos (Grande São Paulo). Em seguida voltaram-se para um grupo de pessoas e, empunhando armas, efetuaram vários disparos. Três pessoas morreram na hora, foram elas: Edmário Antonio de Oliveira, 41, Admilson Aparecido Nascimento, 31, e Marcelo Ferreira Romite, 37. Outras duas ficaram feridas, uma delas gravemente, com “morte cerebral” (Agora, São Paulo, 10/9/2006). Foram tantos os disparos que eles puderam ser ouvidos por algumas testemunhas (Folha Online, 9/9/2006).
Inconformados com a matança, familiares das vítimas “acusam policiais militares de estarem envolvidos nas chacinas” (Agora, São Paulo, 10/9/2006). A Secretaria de Segurança Pública afirmou que “nenhuma hipótese será descartada” (Agora, São Paulo, 10/9/2006). Mas a afirmação foi só em tese, já que “o costume” é vigorar a impunidade.
Situação da investigação: O dever da polícia civil é levar a cabo uma rigorosa investigação, fiscalizada pelos demais órgãos responsáveis, tal como o Ministério Público. Além disso o próprio governador, Cláudio Lembo, comprometeu-se a pedir a abertura de uma investigação da matança em série deflagrada naqueles dias, afirmando que “o governo irá investigar para saber se os crimes foram uma coisa local ou mais ampla”.
É importante salientar que a maioria dos jornais mencionou um “tiroteio” ou “troca de tiro” no local da chacina, como a justificar a ação dos dois homens encapuzados. Mas nenhum deles diz se eles foram atingidos. Parece que a “troca” foi só de um lado. Os jornais também não dizem se foram encontradas marcas de balas ou se foram encontradas armas com as vítimas. O local da matança, segundo a versão policial sempre reproduzida sem crítica pelos jornais, está sempre vinculado ao tráfico ou consumo de drogas. Mas se testemunhas afirmam ter ouvido os disparos, porquê a polícia não os interroga para saber o que elas tem a dizer?
Neste caso, como em muitos outros, enganam-se aqueles que pensam que a impunidade é obra para proteger só os que puxam o gatilho para matar. Há ainda aqueles que, com sua omissão, coroam a impunidade.
Fontes: Folha On-Line, 9/9/2006; Terra, São Paulo, 9/9/2006; Globo Online, 9/9/2006; Agora, São Paulo, 10/9/2006
CHACINA DA FAVELA S. RAFAEL, GUARULHOS (GRANDE SÃO PAULO) – 9 de julho de 2006
Data: 9 de julho de 2006
Local: Esquina das ruas São João da Ponte e Axixa, na Favela São Rafael, Guarulhos (Grande São Paulo)
Vítimas: Roni de Souza, de 17 anos, Eder Soares, de 20 anos e Francisco Ferreira Romão, de 21 anos
Agentes do Estado: policiais militares não identificados
Relato do caso: Na madrugada do domingo, 9 de julho de 2006, o carro do policial militar da ROCAM (Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas), Valdo Leôncio de Lima, foi alvejado por tiros disparados por homens que fugiram logo em seguida, numa moto, na altura do Km 22 da Rodovia Ayrton Senna, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Os tiros acertaram os vidros e outras partes do veículo. O policial escapou sem nenhum ferimento. Coincidência ou não, o fato é que minutos depois do ataque ao carro do policial, ocorreu uma chacina que deixou três mortos na Favela São Rafael, considerada uma das mais críticas da cidade de Guarulhos, e que fica localizada a menos de cinco quilômetros da rodovia. Uma das vítimas, enquanto era socorrida por sua mãe, foi muito clara ao dizer que os “PMs eram os responsáveis pelo crime” (Folha de S. Paulo, 11/07/2003).
A tese de que a chacina era uma represália ao ataque ao carro do policial foi reiterada no depoimento de parentes e moradores da própria favela. “Não é de hoje que é assim mesmo nas favelas: quem é preto e pobre, se tromba [encontra] a polícia na madrugada, já era [morre]”, salientou o parente de uma das vítimas (Folha de S. Paulo, 11/07/2006). Na chacina foram sumariamente executados com vários tiros os jovens Eder Soares, de 20 anos, Francisco Ferreira Romão de 21 anos, além do adolescente Roni de Souza, de 17 anos.
Por volta de 5h30 da manhã, os três rapazes, que haviam acabado de deixar um bar onde, semanalmente, há um forró na favela, conversavam enquanto caminhavam pela rua, quando foram abordados repentinamente pelos policiais militares na esquina das ruas São João da Ponte e Axixa. No lugar, em curto espaço de tempo, mais uma vez deu-se início a um já conhecido ritual que antecede o crime: os três rapazes, então de costas para seus algozes, foram obrigados a baixar as calças para dificultar uma possível fuga, em seguida postos de joelhos e com as mãos trançadas na nuca foram friamente executados. Morreram na hora “Eder baleado no peito e dentro da garganta, ou seja, enfiaram a arma em sua boa e dispararam; e Francisco, alvejado com 12 tiros na cabeça”, revelou à equipe do OVP-SP o morador da favela que viu os corpos mas preferiu não se identificar. Querendo ou não, o recado estava dado: os corpos dos dois ficaram expostos, sangrando, na esquina das duas ruas da favela até às 10 da manhã.
Ao que parece, Francisco era a carta marcada do grupo por ser foragido da Justiça. Há alguns meses, ele havia sido liberado do presídio para passar um feriado com seus familiares e não retornou para cumprir o restante da pena por roubo e receptação. Parentes dos rapazes acreditam que a descoberta do foragido pode ter “inflamado ódio nos homens que o atacaram com os amigos” e um deles arriscou a dizer o seguinte: “Imagina quando eles [policiais militares] pegam alguém que é procurado. É sem chance” (Folha de S. Paulo, 11/07/2006).
A terceira vítima, o adolescente Roni, ferido nas costas, pernas e nádegas, sagrando muito e desesperado por sentir a morte iminente, reuniu as forças que lhe restavam e conseguiu correr até a sua casa (um barraco), onde finalmente foi amparado por sua mãe. Socorrido, o adolescente teve tempo apenas de relatar a ela o que havia ocorrido minutos antes. Roni deu entrada em estado grave no Hospital Padre Bento, mas não resistiu aos ferimentos provocados pelas balas e morreu.
Revoltado com a situação, um parente do adolescente assassinado fez um desabafo muito esclarecedor sobre como policiais têm se esquivado da autoria de mortes cujas ocorrências se dão nas favelas: criminalizando e desqualificando seus moradores. “Com essa onda de confusão em São Paulo, todo mundo que vive nas favelas passou a alvo da polícia. Eles passaram a ver todo mundo como inimigo, como integrante desta ou daquela facção, mas não pode ser assim” (Folha de S. Paulo, 11/07/2006), disse o parente.
Situação da investigação: Em meio a curiosos, moradores da própria favela, policiais militares fizeram, dessa vez, a preservação do local do crime onde ficaram expostos os dois corpos para a perícia. Alguns moradores ouviram dos policiais a seguinte frase: “A cena dos dois mortos até que ficou bonita” (Folha de S. Paulo, 11/07/2006).
Desolada com a notícia da morte do filho, a mãe do adolescente recebeu a visita de policiais militares no barraco onde vive: queriam saber se o adolescente havia dito quem havia atirado nele e nos amigos.
Procurado pela imprensa para se pronunciar sobre as denúncias de que policiais militares de Guarulhos estariam envolvidos na chacina em tela, o Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, foi blindado por seus assessores que, agindo com desdém, indicaram que o assunto deveria ser tratado pelo Comando da Polícia Militar. Este, por sua vez, manifestou-se em nota oficial de acordo com a filosofia do titular da pasta: “Foi verificado no batalhão e na corregedoria da PM e, até o momento, não existe nenhuma denúncia registrada sobre o caso” (Folha On-line, 11/07/2006).
Fontes: A Tribuna, Santos, 10/07/2006; Agora, São Paulo, 11/07/2006; Folha de S. Paulo, 11/07/2006; Folha On-line, 11/07/2006
EXECUÇÕES SUMÁRIAS
O desaparecimento de cinco rapazes na cidade de São Paulo e em Guarulhos (Grande São Paulo), entre 13 e 16 de maio de 2006, só revelado na imprensa um ano depois, vem juntar mais cinco nomes à lista de mortos por policiais naqueles dias
Data: 16 de maio de 2006 / 14 de maio de 2006 / 13 de maio de 2006 / 15 de maio de 2006
Local: Rua Nossa Senhora das Candeias, na Vila Santa Terezinha, Itaquera, zona oeste de São Paulo / Guarulhos, Região Central (Grande São Paulo) / Parelheiros, zona sul de São Paulo / Bairro da Casa Verde, zona norte de São Paulo
Vítimas: Paulo Alexandre Gomes, de 23 anos / Diego Augusto Sant'Ana, de 15 anos, e Everton Pereira dos Santos, de 24 anos / Ronaldo Procópio Alves / Maycon Carlos Silva, adolescente
Agentes do Estado: policiais militares da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) / policiais militares / policiais militares / policiais militares da Força Tática
Relato do caso: Quase três décadas depois da Lei de Anistia (1979) continuam desaparecidos cerca de 140 corpos de militantes da esquerda presos por policiais ou agentes das Forças Armadas durante a ditadura militar. Os acontecimentos de maio de 2006, em São Paulo, também têm sua coleção mórbida de desaparecidos, vistos pela última vez entrando em carros policiais ou sendo presos. Naquela ocasião, depois das rebeliões sincronizadas em cerca de 80 presídios do Estado de São e de ataques a agentes do Estado e alvos do aparelho repressivo, comandados pelo PCC, as autoridades policiais e civis deixaram e praticamente incentivaram uma verdadeira "caça" aos "suspeitos". "Foram às ruas em busca dos escolhidos, aqueles que tinham o perfil procurado naqueles dias, negros, pobres, ex-detentos e tatuados. Eles (policiais) queriam ir à desforra, criminalizaram a pobreza, destroçaram as periferias" como disse a irmã de um dos desaparecidos de maio de 2006 (conforme: http//desaparecidosguarulhos.blog.terra.com.br/ ). Desde o dia 12, dia inicial daqueles acontecimentos, até 20 de maio, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo constatou a morte por arma de fogo de 493 pessoas (Leia mais). Não é desproposital pensar que cerca de quatro centenas dessas mortes possam ter sido provocadas por agentes do Estado, embora nenhuma investigação tenha sido concluída para demonstrar isso. Agora, a essa lista de mortos comprovados pela análise do laudo necroscópico, vem se juntar uma lista de desaparecidos.
É o caso de Paulo Alexandre Gomes, de 23 anos, sem emprego fixo, que costumava vender água em estádios de futebol. Conforme sua família, ele saiu de casa no dia 16 de maio de 2006, por volta das 21 hs., levando seus documentos no bolso, com o propósito de ir à casa de sua namorada, e nunca mais retornou. A família, que sabia não ser hábito de Paulo dormir fora de casa sem avisar, e diante da situação conflagrada das periferias da cidade de São Paulo, começou a tentar localizar o seu percurso após a saída de casa. Através de várias informações soube que Paulo teria se encontrado com amigos, teria ficado conversando até às 23 hs., e em seguida saído com um desses rapazes, de moto, em direção da Radial Leste. Por este rapaz, soube que Paulo teria sido deixado na Rua Nossa Senhora das Candeias, na Vila Santa Terezinha, Itaquera, zona oeste de São Paulo. O rapaz da moto, ao sair, viu chegar à mesma rua uma viatura da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), da Polícia Militar) o que o fez apressar a sua partida. Continuando a busca incessante de notícias o pai de Paulo, Sr. Francisco Gomes, foi ao local e ficou sabendo que essa viatura teria abordado dois rapazes. Conversando separadamente com eles ficou sabendo que os policiais da ROTA os ameaçaram de morte e bateram, afirmando inclusive que nada lhes aconteceria, pois a sua presença naquele local não era conhecida da corporação. Queriam saber se os dois tinham "passagem na polícia", isto é, se já tinham tido algum envolvimento ou prisão e um dos dois rapazes acreditava só ter se salvado por ter mentido, omitindo a sua "passagem". Afirmaram ainda que estes policiais estavam sujos de sangue e que viram "uma espécie de saco na viatura com volume e formato parecido com um corpo" (Termo de Declaração colhido no CDHS - Centro de Direitos Humanos do Sapopemba, 18/06/2006).
Paulo tinha várias características do "suspeito" que os policiais buscavam naqueles dias para "responder à altura" aos ataques do PCC: era negro, pobre, estava em uma região da chamada "periferia" (Itaquera), tinha uma tatuagem e cumpria pena em Regime de Liberdade Condicional que iria terminar em 20 de junho seguinte. A família procurou notícias de Paulo em vários hospitais da região, no Instituto Médico-Legal Central, de Suzano e de Mogi das Cruzes (estes dois últimos na Grande São Paulo). Em seguida, no dia 19 de maio, o desaparecimento foi registrado no 103º Distrito Policial (Cohab II Itaquera 7ª Seccional Leste), através do Boletim de Ocorrência nº 1658/2996 (Termo de Declaração colhido no CDHS - Centro de Direitos Humanos do Sapopemba, 18/06/2006). Um ano depois do seu desaparecimento, a mãe de Paulo, D. Maria das Graças Gomes, que já havia perdido uma filha de 12 anos em um evento trágico, jamais esclarecido, lamentava-se: "Se eu soubesse que estava morto, ia ficar mais sossegada porque sabia que morreu e pronto. Essa incerteza é que castiga." Juntando as duas desgraças na vida da família, ela lembra: "No dia que ele sumiu, nosso passarinho, 'Cacá', voou. Estava limpando a gaiola e ele foi embora. Meu filho subiu no telhado para tentar pegar; estava sorrindo. Na hora eu falava: 'Cacá, fica com nós, fica com nós... Meu Deus, não leve embora'. Depois entendi que não era para o passarinho aquilo que eu estava pedindo. Era para o meu filho" (Diário de S. Paulo, 24/05/2007).
Mas Paulo não é o único desaparecido de maio de 2006. Na região central de Guarulhos, perto do Bosque Maia, Diego Augusto Sant'Ana, de 15 anos, flanelinha, e Everton Pereira dos Santos, de 24 anos, foram vistos sendo colocados dentro de uma Blazer da Polícia Militar, no sangrento domingo de 14 de maio, Dia das Mães. Nesse domingo à noite havia grande movimento de viaturas. Logo após saberem da prisão de Everton, seus familiares se dirigiram ao 1º Distrito Policial de Guarulhos em busca de informações. Os policiais civis atenderam o pai de Everton com descaso, confirmando que os dois presos estavam na carceragem do DP e mandando que voltasse no dia seguinte de manhã. Mas os policiais haviam mentido. Começou então a busca da família em hospitais e até o IML (Instituto Médico Legal) Central-São Paulo. E eles nunca mais apareceram, nem seus corpos.
Um ano depois dos acontecimentos de maio, por pressão de familiares, de alguns jornalistas e da Ouvidoria da Polícia de São Paulo, o caso dos desaparecidos de maio veio à tona na imprensa. Além destes três acima mencionados, desapareceram mais dois rapazes na mesma época: em Parelheiros, zona sul de São Paulo, Ronaldo Procópio Alves foi levado por policiais em 13 de maio; e Maycon Carlos Silva, adolescente, desapareceu no dia 15 de maio, no bairro da Casa Verde, zona norte de São Paulo, sabendo-se que há fortes indícios de que tenha sido levado por policiais militares da Força Tática (Diário de S. Paulo, 12/05/2007)
Situação da investigação: Há, portanto, cinco desaparecidos de maio de 2006. Cerca de um ano depois, por insistência de seus familiares, descobriu-se que o corpo de Maycon era um dos 38 mortos no período de 12 a 20 de maio, enterrados como "indigentes", sem identificação (Folha de S. Paulo, 12/05/2007). Os corpos de Paulo Alexandre Gomes, Diego Augusto Sant'Ana, Everton Pereira dos Santos e Ronaldo Procópio Alves não apareceram até hoje.
As famílias têm procurado incansavelmente notícias de seus entes desaparecidos, mesmo que seja a notícia da morte. Mas inutilmente. Veja-se o caso da família de Paulo Alexandre Gomes, sobretudo de sua irmã, Francilene Gomes Fernandes. Elas recorreram ao senador Eduardo Suplicy, ao Grupo Tortura Nunca Mais/SP, ao então deputado estadual Ítalo Cardoso, à Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, ao Conectas, à Justiça Global, à Anistia Internacional; na área das instituições públicas contataram a Ouvidoria de Polícia de São Paulo, o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) da Polícia Civil, a Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo, o CRAVI (Centro de Referência e Apoio à Vítima), da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, bem como a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, ambas da Câmara dos Deputados, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, o governador Cláudio Lembo e até o Presidente Lula.
A maior parte da correspondência trocada entre a família e estas organizações e instituições parece um "jogo de empurra-empurra" burocrático, em que ninguém e nenhum órgão assumem a responsabilidade da verificação. Isso se dá, em parte, porque não é assumido que estas pessoas desapareceram nas mãos de policiais. Com o caso dos desaparecidos políticos, sabe-se, com certeza já reconhecida, que desapareceram nas mãos de agentes do Estado. Mas os desaparecimentos atuais são considerados, em geral, como um bloco, quando na verdade são muito diferenciados, em suas causas e conseqüências. Pessoas, e sobretudo crianças, desaparecem em seqüestros motivados por razões econômicas, sentimentais ou pedofílicas (no caso de crianças). Pessoas com algum tipo de dificuldade ou deficiência também desaparecem, perdem-se simplesmente.
O caso destes cinco rapazes é muito diferente, é um caso análogo e semelhante, guardadas as proporções de tempo, de conjuntura e de consciência política, ao dos desaparecidos políticos. Estes cinco rapazes têm que ser incluídos na categoria de pessoas executadas por agentes do Estado. É o caso também do adolescente Rodrigo Isac dos Santos, de 17 anos, visto pela última vez na caçamba de um carro da Polícia Militar em Guarulhos, em 19 de novembro de 2001. Em diversas ocasiões seu pai narrou as iniciativas pessoais, diante da inércia e má vontade dos órgãos oficiais, para encontrar o cadáver de seu filho. E quando encontrou despojos de um corpo, reconhecido por ele pelo par de tênis que usava, todas suas tentativas de confirmar o encontro por exames de DNA, em meio grossas irregularidades, deram negativo. E quando não há corpo, não há crime, dizem...
Fontes: Blog Desaparecidos em Guarulhos http://desaparecidosguarulhos.blog.terra.com.br/ ; Termo de Declaração colhido no CDHS (Centro de Direitos Humanos do Sapopemba); Diário de S. Paulo, 11/05/2007; 12/05/2007; 24/05/2007; Folha de S. Paulo, 12/05/2007
EXECUÇÕES SUMÁRIAS
Jovem trabalhador de 21 anos é executado à queima roupa por guarda civil municipal, em bar de Guarulhos (Grande São Paulo)
Data: 8 de maio de 2006
Local: Cidade Seródio, Guarulhos (Grande São Paulo)
Vítima: Márcio Vieira Porto, de 21 anos
Agentes do Estado: Anderson Antonio da Silva, guarda civil municipal
Relato do caso: Na noite de 8 de maio, Márcio Vieira Porto, auxiliar de produção, de 21 anos, e seu irmão Marcelo, de 26 anos, depois de comprar cigarros no “Bar da Lúcia”, localizado no bairro Cidade Seródio, em Guarulhos, decidiram tomar uma cerveja. A um dado momento, Márcio se dirigiu ao banheiro e foi seguido pelo guarda civil municipal Anderson Antônio da Silva. Márcio e Anderson retornaram do banheiro discutindo. Quando se encontravam na porta do bar, por volta das 21h30 da noite, Anderson sacou sua arma, uma pistola 380, e disparou quatro tiros contra Márcio. Atingido na virilha, ele caiu sangrando na porta do bar. No momento em que se preparava para fugir em seu carro, Anderson foi detido por pelo tenente Celso Novo, do 31º Batalhão da Polícia Militar, e por outros policiais militares de uma base próxima. Levado pelos policiais militares ao Hospital Geral de Guarulhos, Márcio faleceu antes de ser operado. Conforme testemunhas, Marcelo tentou impedir a morte do irmão, segurando o braço de Anderson. Como resposta, o guarda disparou três vezes contra ele. O irmão mais velho também chegou a passar pelo pronto-socorro do Hospital Geral de Guarulhos.
Embora o crime tenha ocorrido diante de todos os freqüentadores do bar e o assassino tenha declarado que a causa do bate-boca que precedeu o assassinato teria sido uma mulher, as falas das testemunhas vão em outro sentido. O delegado Emerson Abad, do 7º Distrito Policial de Guarulhos, ouviu quatro pessoas que estavam no bar no momento do crime. "Segundo as pessoas que ouvi, os irmãos estavam no bar fazia pouco tempo. Márcio foi ao banheiro e, sem motivo aparente, o indiciado, que estava ali também bebendo, à paisana, foi atrás. Lá, teria acontecido um bate-boca, que se prolongou até a entrada do boteco. Na porta, mais discussão e um copo quebrado. Até que o indiciado sacou uma pistola 380 e disparou." (IG, São Paulo, 09/05/2006; Yahoo News, São Paulo, 09/05/2006). Outra indicação de que o motivo não era uma questão passional foi dada posteriormente pela irmã de Márcio, que declarou: "Pelo que o pessoal do bar falou, durante a discussão, depois da ida ao banheiro, o meu irmão ainda mostrou o crachá para o guarda. Falou para ele que era trabalhador e que não queria encrenca. Mas não adiantou nada" (IG, São Paulo, 09/05/2006). De fato, Márcio tinha começado a trabalhar na fábrica de meias Trifil, e como tinha uma filha que sequer completou um ano, tinha planos para alugar uma casa e morar com a mãe da menina.
Situação da investigação: O guarda civil Anderson Antonio da Silva foi indiciado pelo delegado Emerson Abad por homicídio doloso. Sugeriu que o motivo da discussão teria sido uma mulher e afirmou que agiu em legítima defesa. “Só isso que quero falar. Só isso” (IG-SãoPaulo-9/05/2006). As notícias da imprensa não explicitam se ele permaneceu preso, donde se pode concluir que sua condição de guarda civil municipal o livrou da prisão em flagrante delito.
Fontes: Agência Estado, São Paulo (09/05/2006); IG, São Paulo (09/05/2006); Yahoo News, São Paulo (09/05/2006)
EXECUÇÕES SUMÁRIAS
Dois rapazes são presos por policias militares, desaparecem e, dias depois, seus corpos são encontrados nus, em meio a denúncias de vários crimes atribuídos a grupos de extermínio em Guarulhos (Grande São Paulo)
Data: 9 de março de 2003
Local: Jardim Cumbica, Guarulhos
Vítima: Dorival René Savioli, 26 anos; e Adriano de Holanda Cavalcante, 18 anos
Agente do Estado: policiais militares da 3ª Companhia do 31º Batalhão não identificados
Relato do caso: Dorival René Savioli, de 26 anos, e seu primo, Adriano de Holanda Cavalcante, de 18 anos, desapareceram no dia 9 de março de 2003, num domingo. Seus parentes souberam do desaparecimento por testemunhas que declararam que eles foram presos por policiais militares da 3ª Companhia do 31º Batalhão. Segundo declarações da irmã de Dorival, Alessandra Savioli, os cinco rapazes voltavam de uma festa à qual tinham ido na noite de sábado para domingo, quando estando na firma Elesbon, no Jardim Cumbica, três deles foram presos. Mas apenas um deles, José Florêncio da Silva, de 31 anos, foi apresentado pelos policiais militares ao 4º Distrito Policial.
Os jornais registraram que parentes teriam reconhecido, em Boletim de Ocorrência no 8º DP, que os dois rapazes que então estavam desaparecidos estavam tentando realizar um furto junto com os outros três, porém em depoimento na Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos, realizada na Câmara Municipal em 20 de maio de 2003, a irmã de Dorival afirmou que os rapazes voltavam de uma festa.
Situação da investigação: Durante o domingo, dia 9, e nos dias seguintes os parentes de Dorival e de Adriano procuraram os rapazes nas delegacias. No dia 11, na terça feira, Alessandra Savioli fez um Boletim de Ocorrência do desaparecimento no 8º DP. No dia seguinte, quarta-feira, dia 12, quando estava na 8º DP, chegou a notícia de que dois corpos haviam sido encontrados em uma ribanceira, no bairro Ponte Preta, área do 7º DP. Os corpos estavam nus, com marcas de vários tiros e de torturas, praticamente irreconhecíveis. Alessandra declarou que só pôde reconhecer o irmão por uma tatuagem no ombro direito.
Alessandra ainda foi chamada à Delegacia de Homicídios de Guarulhos para fazer um exame de DNA, pois, argumentavam, precisavam comparar com manchas de sangue em duas viaturas. Porém quando ela se apresentou no dia marcado, foi dispensada sem maiores explicações.
Em virtude do encontro desses dois corpos e da voz corrente em Guarulhos, durante o ano de 2003, que havia grupos de extermínio, formados em sua maioria por policiais, o GAERCO (Grupo de Atuação Regional de Combate ao Crime Organizado) passou a investigar essas ocorrências. O coronel Paulo César Máximo, corregedor da Polícia Militar, declarou na ocasião que 18 policiais foram ouvidos, quatro carros e 20 armas do 31º Batalhão foram apreendidos para perícia. Houve afastamento provisório para o serviço administrativo de alguns policiais. Mas, segundo a Corregedoria, não foi encontrado nenhum indício de envolvimento de policiais militares no caso. O Ministério Público afirmava ter conhecimento de 12 inquéritos somando 20 crimes que apresentavam indícios de participação de policiais nos assassinatos.
Mas segundo membros da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Vereadores de Guarulhos, havia provas de envolvimento de um soldado, um sargento e um tenente da 1ª Companhia do 15º Batalhão nesse conjunto de crimes atribuído a grupos de extermínio. O sargento, apontado na maioria das denúncias, era até conhecido como “dedo mole” pela sua fama em apertar o gatilho.
O soldado em questão – Sandro Augusto Batista de Villas Boas, de 26 anos - chegou a ter decretada a sua prisão temporária. Ele havia sido denunciado à Corregedoria da Polícia Militar em carta de Márcio Seminaldo, de 27 anos, como chefe de um grupo de extermínio formado por policiais militares. No mesmo dia em que o soldado iria começar a ser investigado Márcio foi assassinado no centro de Guarulhos. Além disso esse soldado é acusado da tentativa de assassinato de Eric Nogueira Gnomo em um bar em Vila Galvão. A vítima levou seis tiros, ficando cega de um olho. Chamado à Corregedoria, reconheceu o soldado. Porém o único resultado foi que Eric passou a ter que ficar sob a vigilância do Serviço de Proteção às Testemunhas.
Até 2006 o assassinato de Dorival René Savioli e Adriano de Holanda Cavalcante não foi esclarecido, encontrando-se no DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa), Proc. 672/03.
Fontes: Folha Online, 13/03/2003; 15/03/2003; Folha de S. Paulo, 15/03/2003; Diário de S. Paulo, 14/03/2003, 15/03/2003; Atas da Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos, 20/05/2003; Relatório das Entidades de Direitos Humanos entregue à Relatora da ONU para Execuções Sumárias, Sra. Asma Jahangir, “São Paulo: Política de segurança ou política de extermínio?”, setembro 2003
CHACINA DO JARDIM PRESIDENTE DUTRA, Guarulhos - 19 de outubro de 2002
Data: 19 de outubro de 2002
Local: Jardim Presidente Dutra, Guarulhos
Vítimas: Natália Glecimara Teixeira, 15 anos, Maurício Pereira da Silva, 15 anos, Sílvio Lima Guerra, 15 anos, e Daniel de Oliveira, de 17 anos
Agentes do Estado: três policiais militares não identificados
No dia 19 de outubro de 2002 aconteceu uma chacina de quatro adolescentes, em frente à casa de um deles. A história desta chacina permaneceu sem ser contada sequer pelos jornais, como se fosse coisa banal. No dia 20 de outubro apenas o Diário de S. Paulo noticiou o fato, reproduzindo a versão do delegado Maurício Miranda de Queiroz, do 7º Distrito Policial, que atribuiu as mortes ao tráfico, criminalizando um dos mortos como usuário de droga.
Mas a história verdadeira é bem outra e só veio a público depois de uma Audiência Pública da Comissão Especial do Conselho de Defesa da Pessoa Humana (CDDPH) sobre Grupos de Extermínio realizada em 20 de maio de 2003, na Câmara Municipal de Guarulhos. Algumas horas antes dessa chacina, houve uma discussão, presenciada por um sobrevivente, entre o segurança do Super-Mercado Moinho 1, um policial conhecido como Araújo, e um menino de apenas onze anos: o segurança acusava o menino de ter roubado um pacote de bolachas e acabou por bater nele. O menino foi embora chorando e voltou com a mãe e um irmão mais velho. Segurança e irmão ameaçaram-se mutuamente de morte, afirmando saberem onde cada um morava. Mas o segurança-policial apostou: “Vamos ver quem pega o outro primeiro”. Já o dono do supermercado incitou o segurança-policial a “acabar com o moleque” ali mesmo: “Te pago para quê”? Como estava ali, só observando, o sobrevivente, que foi também provocado pelo segurança-policial, achou melhor ir embora.
Nessa noite, depois de irem a uma festa, juntaram-se os quatro amigos mortos e mais o sobrevivente, e até a mãe de uma das vítimas, para conversarem em frente à casa de um deles. À 1h30 da madrugada, mais ou menos, a mãe se retirou para dentro, mas logo em seguida ouviu uma grande fuzilaria e só quando terminaram os tiros saiu à rua com seu marido e outro filho. Deparou-se com Natália, sua filha morta e mais dois sobrinhos, Mauricio e Daniel, bem como um vizinho, Silvio. Os assassinos eram três homens que chegaram sem capuz e já começaram apontando as armas e ordenando que os adolescentes deitassem de bruços. Foram revistados e, em segundos, assassinados friamente, o quinto adolescente sobrevivendo a treze tiros.
Depois de algumas horas, quando vizinhos e amigos faziam o velório das vítimas, chegaram cerca de cinco viaturas da Polícia Militar e seus ocupantes começaram intimidar as pessoas presentes. Diziam procurar aquele irmão mais velho do menino de onze anos, acusado de roubar um pacote de biscoitos, e assustaram as pessoas que se afastaram para suas casas. De forma violenta deram ordem a um desses vizinhos para que saísse de casa, o que ele se recusou a fazer. Então cerca de três a quatro policiais arrombaram o portão da casa dele, que se refugiou no banheiro; deram ordem para que ele saísse, e quando ele o fez, um desses policiais deu um tiro em sua perna e o ameaçou, dizendo que voltaria para matá-lo “como a um cachorro”, enquanto outros o espancavam. Outro vizinho, irmão de uma das vítimas, foi também espancado dentro de sua casa, chegando os policiais a atirarem balas de borracha.
Todos foram ameaçados de serem mortos se saíssem de suas casas. Outros parentes também foram ameaçados de morte e durante longo tempo carros da Polícia Militar passavam em frente às casas dessas pessoas, potentes faróis eram apontados para suas janelas. Alguns tiveram até que se mudar de casa por temerem a realização dessas ameaças contra seus filhos adolescentes. Esse é um dos episódios da atuação de um grupo de extermínio formado por policiais militares e outros colaboradores dessa macabra função na região de Guarulhos.
Segundo o Relatório da Justiça Global “Execuções sumárias no Brasil – 1997-2003”, o caso estaria sendo investigado, em setembro de 2003, pela Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, Corregedoria da Polícia Militar, Comissão Especial do CDDPH, Comissão Especial do Ministério Público de São Paulo e Polícia Civil de São Paulo. Até 2005 não se conhece nenhum resultado dessas investigações.
Fontes: Diário de S. Paulo, 20/10/2002; 23/04/2003; 07/05/2003; Folha de S. Paulo, 21/05/2003; Audiência Pública da Comissão Especial do Conselho de Defesa da Pessoa Humana (CDDPH) sobre Grupos de Extermínio realizada em 20/05/2003, na Câmara Municipal de Guarulhos; Relatório da Justiça Global, “Execuções sumárias no Brasil – 1997-2003”, setembro 2003; Relatório das Entidades de Direitos Humanos entregue à Relatora da ONU para Execuções Sumárias, Sra. Asma Jahangir, “São Paulo: Política de segurança ou política de extermínio?”, setembro 2003.
EXECUÇÕES SUMÁRIAS
Dois adolescentes são seqüestrados por cinco policiais militares e cerca de uma hora depois são executados em uma estradinha de terra deserta, na Estrada da Candinha, em Guarulhos (Grande São Paulo)
Data: 28 de julho de 2002
Local: Estrada da Candinha, Parque Santos Dumont, Guarulhos (Grande São Paulo)
Vítima: Bruno Diego Adorni, 17 anos e Edinaldo, de 17 anos
Agentes do Estado: cinco policiais militares não identificados
Relato do caso: No dia 28 de julho de 2002, Bruno Diego Adorni, de 17 anos, e Edinaldo, também de 17 anos, foram seqüestrados por cinco policiais militares, na rua Claudino Barbosa Macedo, entre os números 354 e 370, no Bairro do Macedo, perto da Praça das Pedras, em Guarulhos (Grande São Paulo). Essa prisão foi vista por alguns vizinhos que se encontravam na porta de suas casas, um lavando seu carro, outro guardando o seu.
Este caso, como todos os outros similares, de execuções sumárias de jovens das periferias, teve seus antecedentes. Bruno morava na rua João Romano, bairro de Vila Florida , em frente à Escola Estadual Valdivino de Castro Pereira. Na imediações da escola havia ronda da Polícia Militar. Em uma ocasião – por volta do dia 3 de julho de 2002, cerca de 25 dias antes do seqüestro - os policiais militares deram “uma geral” na escola, ou seja, diante da denúncia de ter havido um roubo, penetraram no recinto da escola com a anuência das autoridades escolares para inquirir os alunos. Na seqüência dois policiais militares – o sargento Wagner Amaral, do 31º Batalhão e um outro policial militar - pegaram o irmão mais velho de Bruno, então com 19 anos, algemaram-no, e o levaram para a casa do pai, Sr. Aparecido Adorni. Nesse momento o pai ainda não tinha visto que o filho estava algemado e, para evitar um escândalo no meio da rua convidou os policiais a entrar em um corredor do quintal que antecede a sua casa. Logo que entraram o Sr. Aparecido pôde então ver que o filho estava algemado e pôde ainda constatar a truculência desses policiais que imediatamente apontaram as armas para a sua cabeça e a de seu filho e foram entrando na casa, inclusive ameaçando de matar a cachorra. Nesse momento Bruno, que já havia apanhado dos policiais, como muitos outros alunos, estava na calçada, fora de casa. Os policiais haviam usado caibros de madeira de uma construção que havia perto para bater nos meninos.
A razão de algemarem o irmão de Bruno e o interrogarem é que diziam acreditar que ali, em frente à escola, havia tráfico de drogas. O pai de Bruno, nessa ocasião, repetiu o que já havia dito várias vezes em outras discussões com os policiais da ronda: os seus filhos moravam ali, tinham que ficar na escola onde estudavam, ou em casa, ou na calçada, em frente à casa, tinham o direito de estarem ali. Não havia tráfico porque o próprio pai vigiava os filhos e qualquer problema, quem saía à rua era ele. Desde então carros da polícia militar passavam pela casa do Sr. Adorni tentando intimidá-lo.
Em uma outra ocasião, quando foi encontrada uma arma dentro da escola na mão de um garoto, que afirmava que a encontrou em cima da mureta do pátio, as autoridades escolares haviam permitido que os policiais entrassem, batessem e torturassem, em uma sala separada, para saber de quem era a arma. Alguns adolescentes, entre os quais um primo de Bruno, foram então levados para a delegacia, para o 6º DP, mas foram soltos por intervenção da mãe de um deles.
Além disso o Sr. Aparecido chegou a presenciar um policial militar de nome Feitosa que trabalhava com outro, Cláudio Antonio Ruiz, fazendo ronda, a aplicar choque em crianças, no meio da rua, em frente à casa dele. O Sr. Aparecido chega a descrever um aparelhinho com um botão, que apertado, provocava grande choque e estremecimento. Por causa disso ele chegou a discutir com esses policiais no meio da rua, discussão presenciada por trabalhadores que descansavam nas imediações, naquele momento. Porém não chegou a apresentar denúncia pois foi ameaçado: caso apresentasse queixa na delegacia “sofreria as conseqüências”.
No dia 28 de julho de 2002, um domingo, quatro rapazes – Bruno, seu irmão, Edinaldo e mais um – tinham ido ver um bicicleta que estava à venda. Não encontraram o endereço, tinham desistido e estavam voltando. O horário era entre 19hs e 20hs. O irmão de Bruno e o outro rapaz tinham se adiantado e virado a esquina, quando os cinco policiais militares, que chegaram em uma viatura do tipo Tricolor, prenderam Bruno e Edinaldo. Os que tinham se adiantado não viram nada mas estranharam que os dois não chegavam na casa do quarto rapaz. Por um tempo procuraram. Em seguida o irmão de Bruno voltou para casa, por volta das 22hs30 e contou para o pai o desaparecimento do irmão. Saíram os dois e continuaram até de madrugada a procurar Bruno.
Situação da investigação: Na segunda-feira, dia 29 de julho, pai e filho continuaram procurando Bruno, pensando em uma prisão e denunciando o desaparecimento. O Sr. Aparecido foi ao 1º DP: nada. Falaram que ele tinha que ir ao 15º Batalhão. Foi ao Hospital Brasil. E fez um Boletim de Ocorrência de desaparecimento no 6º DP. Como acontece sempre, teve que pelejar para que o B.O. fosse feito, pois exigiam que tivessem já passado 72 horas. Mas o pai argumentou que seu filho nunca dormia fora de casa. Nesta altura toda a família estava então mobilizada: o irmão mais velho e o cunhado do Sr. Aparecido. Vieram até São Paulo, no DHPP. Nessas idas e vindas já tinha sido estabelecida a convicção de que os dois desaparecidos – Bruno e Edinaldo – tinham sido detidos e colocados em uma viatura, mas não se sabia o número dela.
Na segunda-feira no fim tarde, enquanto o Sr. Aparecido estava em São Paulo, o irmão de Bruno que não tinha sido preso voltou ao local e conseguiu falar com dois vizinhos que reproduziram mais ou menos a cena. Morando em duas casas diferentes, os dois confirmaram que viram os cinco policiais colocarem os meninos na caçamba (“corró”) do carro policial. Um deles disse conhecer e temer alguns dos policiais, principalmente um deles. As duas testemunhas chegaram a descrever as roupas com que estava Bruno.
Mas os corpos dos dois rapazes só foram achados e recolhidos na terça-feira à tarde. A história do encontro dos corpos deve ser precedida da narrativa do pai de Edinaldo, que no entanto, só pôde contar a sua história ao Sr. Aparecido, uma semana depois do enterro de Bruno. Nessa ocasião, por intermédio da irmã de Edinaldo, que esteve no velório, foi marcado um encontro entre os dois pais, justamente perto do lugar onde os corpos foram encontrados.
E na narrativa do pai de Edinaldo, uma história impressionante. Eram entre 20hs30 e 21hs do mesmo dia em que os dois havia sido presos. Trabalhando com um caminhão que faz carretos, o pai de Edinaldo estava ao lado de um terreno baldio jogando entulho que havia retirado de uma escola, apenas capim. Perpendicularmente à rua em que se encontrava o caminhão chegou uma viatura com cinco policiais dentro e virou à direita, no sentido inverso ao que se encontrava o veículo que descarregava entulho. Mas notando aquela presença deu uma marcha à ré e penetrou na Estrada da Candinha, que ficava em frente à rua por onde haviam chegado: uma estrada de terra, um caminho, por onde só pode passar um carro. Por sua vez o pai de Edinaldo pôde notar, dentro do “corró”, a presença de duas pessoas cujas cabeças eretas demonstravam que estavam vivas. Enquanto o pai de Edinaldo, temendo ser repreendido por descarregar entulho, interrompia o serviço com os ajudantes e preparava-se para partir, ouviu tiros.
Pouco tempo depois, no mesmo dia, estando a família também à procura de Edinaldo, seu irmão mais velho ouviu falar em um ambiente freqüentado por policiais que naquele local tinham matado e abandonado dois corpos. Um deles disse: “E aí?, mais um sem vergonha morto”; o outro respondeu: “É, mais um”. Ao que o primeiro replicou: “É nós já terminamos o serviço com mais dois aqui”. Por causa desse comentário o pai de Edinaldo lembrou-se do ocorrido e concluiu que viu seu filho e Bruno passarem pouco antes de serem executados.
Paralelamente outras pessoas já sabiam da localização dos corpos, e particularmente a caseira de uma chácara pertencente a um oficial do Exército que ficava perto. Como o empregado da chácara tinha que passar todos os dias pelo local onde estavam os corpos, ela andou telefonando insistentemente para o número 190, pedindo que a polícia fizesse alguma coisa, mas sem resultado, no início. Pessoas começaram a se aglomerar no local. Até que, na terça-feira à tarde a polícia, justificando ter encontrado os corpos em sua ronda – o que é impossível pois o local da desova ficava bem longe da estrada principal, por onde passam os carros de polícia – recolheu-os.
Tudo isso foi relatado ao Sr. Aparecido pelo pai de Edinaldo cerca de uma semana depois do enterro dos rapazes. Nessa ocasião foram lá também alguns parentes de Bruno e tiraram várias fotografias que foram anexadas ao processo (nº 3179/92 e 1560/02 Júri) pelo promotor, Dr. Neudival Mascarenhas Filho. E mesmo quando estavam lá, vários parentes dos dois mortos, tentando entender como tinham acontecido as coisas, passou pela estrada principal um carro da Polícia Militar tentando intimidá-los.
Sabe-se que os cadáveres dos dois rapazes foram encontrados com as calças abaixadas e com os cadarços dos sapatos amarrados, para impedir a fuga. Há indícios de que Edinaldo foi torturado antes de ser morto. Tinham tiros no peito e na cabeça. No laudo de exame de corpo de delito de Bruno consta que tinha orifícios de cinco tiros, um na barriga e 4 na cabeça, um deles com entrada de trás para frente.
Depois do encontro dos dois corpos o Sr. Aparecido foi à Delegacia de Homicídios de Guarulhos. Enviaram-no para o 7º DP onde havia um B.O. de ocorrência de encontro de corpo desconhecido. Fez então o reconhecimento, já que tinha antes feito o reconhecimento do corpo, no IML.
Depois que o Sr. Aparecido passou a ter o caso acompanhado pelo promotor, Dr. Neudival Mascarenhas Filho, ele começou a ser assediado pela Polícia Civil. Dois policiais do 7º DP foram à sua casa, “convidando-o” para que comparecesse à delegacia para falar com o delegado, Dr. Martins. Como o promotor lhe havia recomendado que não fizesse nada sem antes consultá-lo – ele chegou inclusive a telefonar enquanto os dois policiais estavam em sua casa – ele não aceitou o “convite”. Continuaram a assediá-lo mais algumas vezes, indo à sua casa e depois passando com o carro policial várias vezes.
Depois de instalado o processo o Sr. Aparecido foi à Corregedoria da Polícia Militar e ali reconheceu os policiais militares que anteriormente haviam discutido com ele, o sargento Wagner Amaral e Claúdio Antonio Ruiz.
Quanto ao inquérito na Corregedoria, o Sr. Aparecido não sabe se as testemunhas que viram os policiais militares colocarem os dois rapazes na caçamba do camburão foram ouvidas, embora todos os dados tivessem sido fornecidos.
Atualmente, depois de mais de três anos, o processo (1560/02) encontra-se no DHPP de São Paulo, em lentas investigações que não levam a nada, tendo sido o Sr. Aparecido e seu filho que escapou de ser também preso e assassinado, interrogados. E como sempre a pergunta mais constante é se o morto usava drogas: é a criminalização da pobreza. O morto é sempre o culpado de sua morte.
Fonte: Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, com a presença do Secretário Especial de DIreitos Humanos, Nilmário Miranda, em 14/03/2003; Audiência Pública da Comissão Especial do Conselho de Defesa da Pessoa Humana (CDDPH) sobre Grupos de Extermínio realizada em 20/05/2003, na Câmara Municipal de Guarulhos; Relatório das Entidades de Direitos Humanos entregue à Relatora da ONU para Execuções Sumárias, Sra. Asma Jahangir, “São Paulo: Política de segurança ou política de extermínio?”, setembro 2003; jornal Folha Metropolitana, Guarulhos, 31/07/2006; Laudo de Exame de Corpo de Delito – Exame Necroscópico, Equipe de Perícias Médico-Legais de Guarulhos, Superintendência da Política Técnico-Científica, IML/Secretaria da Segurança Pública; Entrevista concedida por Aparecido Adorni à equipe OVP-SP.
EXECUÇÕES SUMÁRIAS
Rapaz é assassinado por policiais militares depois de denunciar a existência de grupo de extermínio em Guarulhos, Grande São Paulo
Data: 7 de março de 2002
Local: cruzamento de ruas no centro de Guarulhos
Vítima: Márcio Seminaldo, 25 anos
Agentes do Estado: policiais militares não identificados
Relato do caso: Antes de morrer, Márcio Seminaldo havia comentado com o pai que havia sofrido alguns constrangimentos por parte de policiais, o que era comum na área de Vila Galvão, onde vivia, região em que os policiais ficam na porta de escolas ameaçando os garotos, fazendo-os trocar o tênis de um pé para o outro e eventualmente até atirando para que eles saiam e voltem para suas casas. Nessa ocasião o pai aconselhou-o que, caso se sentisse ameaçado, fosse à Corregedoria da Polícia Militar denunciar. E foi o que Márcio fez, conforme foi verificado por seu pai depois de seu assassinato. Em uma carta manuscrita cuja letra ele reconheceu, Márcio declarava que existia um grupo de extermínio em Guarulhos, formado por policiais militares, dando alguns nomes.
No dia 7 de março de 2002 Márcio saiu de casa por volta das 22h30 para buscar sua namorada na faculdade e levá-la à casa dela. Estava jogando no computador e saiu ainda de roupão para voltar logo. Como ele não chegava quando já eram 23hs e pouco, a irmã de Márcio, estranhando a demora, ligou para o seu celular. E do outro lado respondeu uma voz alterada que afirmava ser “a morte”. Quando a irmã perguntou onde estava Márcio, a voz respondeu: “Ele está no inferno”.
Situação da investigação: Foi com esse celular que a família foi fazer o Boletim de Ocorrência no 1º Distrito Policial de Guarulhos. O delegado que atendeu à ocorrência, pôde ligar e ouvir a mesma declaração. Quando o delegado perguntou quem estava falando, a voz do outro lado declarou ser “fulano”, um “marginal de Guarulhos” que teria matado Márcio. Na verdade, esse nome mencionado pela voz era o de outra pessoa que esses policiais queriam atrair para um determinado local para matá-lo.
Mas a evidência de que o crime foi cometido por policiais militares foi dada à família na própria Corregedoria da Polícia Militar. Lá viram a carta de denúncia acima mencionada. E um dos policiais declarou que no dia em que Márcio foi executado sumariamente, um grupo de policiais corregedores foi até a cidade de Guarulhos justamente para investigar um dos nomes denunciados em sua carta. O nome desse soldado - investigações posteriores mostraram - é Sandro Augusto Batista de Villas Boas (leia mais). Ou seja, o denunciante morreu no dia em que um dos denunciados iria ser investigado.
A família denunciou o assassinato também na Ouvidoria de Polícia, e em Audiências Públicas na Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP e na Câmara Municipal de Guarulhos.
Fontes: Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, com a presença do Secretário Especial de DIreitos Humanos, Nilmário Miranda, em 14/03/2003; Audiência Pública da Comissão Especial do Conselho de Defesa da Pessoa Humana (CDDPH) sobre Grupos de Extermínio realizada em 20/05/2003, na Câmara Municipal de Guarulhos; Relatório das Entidades de Direitos Humanos entregue à Relatora da ONU para Execuções Sumárias, Sra. Asma Jahangir, “São Paulo: Política de segurança ou política de extermínio?”, setembro 2003
Disponível para outras consultas no site do
Observatório de Violência Policial de São Paulo
http://www.ovp-sp.org/
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